O que é a hérnia de hiato?
Antes de falarmos da hérnia de hiato, precisamos entender o que é esse “hiato” e as estruturas que passam por ali:
O diafragma é o principal músculo da repiração e delimita a divisão entre o tórax e o abdome, formando uma espécie de “prateleira” em que os pulmões e coração ficam acima e os órgãos abdominais abaixo.

Porém, há estruturas que atravessam do tórax para o abdome: a artéria aorta, a veia cava inferior e o esôfago tem de passar através de espaços do músculo diafragmático. No caso do esôfago, chamamos esse espaço de HIATO ESOFÁGICO, que é delimitado por verdadeiros braços do diafragma – os pilares diafragmáticos direito e esquerdo.
O que muitos não sabem é que o esôfago é um órgão móvel. Além de sua movimentação durante a alimentação, através do peristaltismo (as ondas que levam o alimento ao longo do trato gastrointestinal), o esôfago também se move durante a respiração, em que o seu comprimento pode variar um pouco com a movimentação do diafragma.
E aqui um ponto importante: na respiração, há a criação de um vácuo no tórax que permite a entrada de ar (chamamos isso de pressão negativa), enquanto no abdome, há sempre pressão positiva devido aos órgãos e bolo alimentar circulante.
A transição esofagogástrica
Nessa delicada transição, há um conjunto de fibras musculares do esôfago que atuam como uma espécie de catraca, controlando o que entra no estômago e impedindo (ou não) o retorno para o esôfago. Em volta dessa região, há tecido conjuntivo, gordura e fibras que a unem aos pilares diafragmáticos para ajudar nessa função de sustentação.
As hérnias de hiato surgem, então, quando há um alargamento do hiato ou um afrouxamento dessas estruturas ligamentares, fazendo com que a pressão negativa do tórax “puxe” órgãos do abdome para o andar superior. Esse achado é visto em até 40% da população geral em exames de imagem (raio X, tomografias, etc). Na grande maioria das vezes, o órgão que sofre herniação é o estômago, mas outras estruturas também podem subir para o tórax, como o intestino delgado e o cólon, por exemplo.

O que causa a hérnia de hiato?
Como vimos, esse alargamento do hiato favorece o surgimento das hérnias, e sua ocorrência geralmente se liga a situações que aumentem a pressão abdominal, que forcem demais a transição ou que enfraqueçam os pilares diafragmático. Por exemplo:
– Alterações congênitas
– Idade mais avançada
– Obesidade
– Gestação (atual ou prévia)
– Vômitos de repetição
– Esforço abdominal intenso e repetitivo (por exemplo, praticantes de modalidades da musculação que treinam com cargas muito pesadas)
– Tosse crônica
– Cirurgias prévias – tanto na transição esofagogástrica quanto abdominoplastias, que aumentam a pressão intra-abdominal
Quais os sintomas de quem tem hérnia de hiato?
Existem casos que podem ser assintomáticos. No entanto, hérnias que tem tamanhos maiores podem gerar sintomas gastrointestinais altos ou até mesmo confundir em relação a doenças cardiovasculares.
Os sintomas mais comuns são:
– Azia (queimação no abdome superior)
– Sensação de regurgitação do alimento
– Eructações (arrotos)
– Empachamento e plenitude pós-prandial.
Como podemos ver, são sintomas que também estão presentes na doença do refluxo gastroesofágico. E isso não se dá por acaso: há uma codependência entre hérnias de hiato e doença do refluxo.
Uma vez que a transição esofagogástrica fica anatomicamente alterada nas hérnias de hiato, o paciente fica muito mais suscetível ao surgimento de refluxo patológico, pois o esfíncter esofageano inferior fica enfraquecido. Contudo, vale frisar: nem todo refluxo cursa com hérnia de hiato e nem toda hérnia de hiato causa refluxo, apesar de haver essa estreita relação.
Nas hérnias maiores, pode ainda haver sintomas mais torácicos:
– Dor intensa ao comer
– Mal-estar
– Palpitações
– Perda de peso (pelo desconforto ao “encher” o estômago herniado no tórax)
Nesses casos, há que se diferenciar de doenças cardíacas da hérnia de hiato.
Como saber se tenho hérnia de hiato?
Diferentemente das hérnias de parede abdominal, não é possível palpar as hérnias de hiato, que são internas entre o abdome e o tórax, como vimos anteriormente.
Como os sintomas gastrointestinais são comuns a muitas patologias do andar superior do abdome, alguns exames podem ser necessários.
A endoscopia digestiva alta é geralmente o primeiro exame a ser solicitado. Nela, podemos ver se o hiato esofágico é alargado e até mesmo se há a herniação do estômago para o abdome. No entanto, devemos sempre lembrar: “hérnias” de até 2cm podem ser fisiológicas, ou simplesmente achados de exame, devido a insuflação do esôfago e estômago durante o exame.
Outro exame que auxilia bastante, tanto na investigação das hérnias de hiato quanto do refluxo gastroesofágico é o EED (esôfago-estômago-duodenografia), que consiste numa série de radiografias contrastadas que simulam o descenso de líquidos durante as atividades do dia-a-dia. Podemos ver partes do estômago contrastadas ACIMA da linha diafragmática.

Há ainda casos em que lançamos mão de tomografias de tórax e abdome para vermos melhor as relações anatômicas da região e flagrar hérnias de hiato.
Quais os tipos de hérnia de hiato?

Tipo I (deslizamento): É o tipo mais comum, corresponde a 95% dos casos. Nela, o estômago sobe através do hiato e a transição esofagogástrica (TEG) é vista acima do estreitamento determinado pelo diafragma.
Tipo II (paraesofágica): O fundo do estômago é quem migra, ao lado do esôfago e da TEG.
Tipo III (mista): Há tanto deslizamento quanto migração do fundo
Tipo IV (complexa): Outros órgãos acabam migrando através do hiato esofágico.
Quais os riscos da hérnia de hiato?
O impacto da qualidade de vida é variável – tanto por diferentes percepções dos pacientes quanto pelos diferentes tamanhos de hérnias. Entretanto, podemos citar pelo menos três complicações que tem de ser avaliadas em relação a essas hérnias:
Há o risco de pneumonias aspirativas de repetição, uma vez que o estômago herniado funciona como um verdadeiro lago de secreções e conteúdo alimentar, com esvaziamento ruim e que pode retornar até o terço superior do esfôgago e faringe, podendo ser aspirado para as vias aéreas.
Outra condição clássica, descrita em decorrência de hérnias de hiato são as úlceras de Cameron. Nesse caso, a tração feita sobre a mucosa gástrica pode romper pequenos vasos sanguíneos da mucosa e submucosa gástrica, podendo levar a sangramentos gastrointestinais que geralmente são crônicos, levando a quadros de anemia, mas pode haver episódios de vômitos com sangue (hematêmese) e sangramentos agudos.
Em situações em que a hérnia se dá AO LADO da transição esofagogástrica (as chamadas hérnias PARAESOFÁGICAS), pode haver uma constrição da estrutura herniada, com redução do fornecimento de sangue e até mesmo necrose com perfuração. O paciente manifesta dor importante na transição, e na suspeita desse “estrangulamento”, devemos estabelecer uma conduta IMEDIATA, já que são condições ameaçadoras à vida.
Quando pensar em operar a hérnia de hiato?
Assim como na doença do refluxo, algumas medidas comportamentais podem ajudar na tentativa de controle de sintomas: fracionar refeições, evitar consumo de bebidas gaseificadas e não deitar-se logo após comer são exemplos de orientações que damos aos pacientes.
Podemos até prescrever medicações para alívio de alguns sintomas que surgem associados à hérnia de hiato. No entanto, como boa parte das medicações agem apenas controlando a acidez do estômago ou tentando esvaziá-lo, geralmente os resultados não chegam a ser plenamente satisfatórios. Dificilmente um problema ESTRUTURAL na região da transição esofagogástrica melhorará apenas com medicações.
Quando há impacto na qualidade de vida, hérnias grandes ou nas complicações que mencionamos acima, devemos pensar no tratamento cirúrgico das hérnias de hiato, que atualmente pode ser feito por via laparoscópica ou por via robótica.
A cirurgia consiste em três pontos principais:
1 – Trazer de volta as estruturas que foram herniadas através do hiato e “alongar o esôfago”
Um comprimento maior de esôfago no abdome é uma das estruturas que protegem contra hérnia de hiato – pelas movimentações do órgão – e do refluxo
2 – Realizar uma HIATOPLASTIA
Aproximamos os pilares do diafragma com pontos de algodão para corrigir alargamentos.
Em alguns casos, o defeito herniário é tão grande que se faz necessário o uso de telas próprias para a região. No entanto, essa NÃO é a regra, e a indicação de telas na hiatoplastia deve ser feita com muita cautela e por cirurgiões com experiência em seu uso para minimizar problemas decorrentes de telas mal posicionadas ou mal fixadas.
3 – Confeccionar uma válvula antirrefluxo (fundoplicatura)
Essa manobra é feita tanto nas cirurgias de refluxo, acalasia ou mesmo nas correções de hérnias de hiato. A explicação surge da autocrítica de que – ao manipularmos a transição esofagogástrica, acabamos por enfraquecer ligamentos pré-existentes que poderiam proteger do refluxo – assim, ao criarmos esse “coxim” com o fundo do estômago, protegemos do refluxo e conseguimos criar uma oposição a novas herniações

Como é o pós-operatório da correção da hérnia de hiato?
Já falamos disso nesse post. Entretanto, duas coisas precisam ficar claras: não podemos fazer esforço físico intenso após a cirurgia, sob pena de o aumento da pressão abdominal romper os pontos dados na cirurgia; e a alimentação deve ser feita com parcimônia, já que toda a manipulação local gera edema e – quando não obedecidas as etapas de recuperação – os engasgos e dores são comuns.
Porém, não se desespere. Após o período de recuperação, a vida retorna aos poucos ao normal.
A hérnia pode voltar?
Infelizmente sim, mas isso não é comum. Devemos sempre diferenciar duas situações: a recidiva ANATÔMICA da recidiva FUNCIONAL.
Como o esôfago é móvel, com o passar dos anos, a oscilação da movimentação pode afrouxar as medidas feitas e uma parte do órgão “abaixado” para o abdome pode retornar ao tórax e até mesmo levar consigo um pouco do estômago ou da válvula feita. Há casuísticas que falam em até 50% de recidiva anatômica.
Felizmente, quando consideramos sintomas e impacto na qualidade de vida, esse número é BEM menor. Daí falarmos em recidiva funcional. Somente nesses casos devemos investigar e avaliar se é preciso propor uma reabordagem da transição gastroesofágica. Sempre tendo em mente que cirurgias de reoperação tendem a ser mais complexas e de maior risco.
Conclusão
Hérnias de hiato são alterações comuns, e seu manejo requer a avaliação de um especialista. Se você tem sintomas altos como queimação, refluxo ou dor torácica ao comer, procure um cirurgião digestivo para melhor avaliação. E saiba que há sim como melhorar seus sintomas. Agende sua consulta.
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